Vou tirar você desse lugar
 



Contos

Vou tirar você desse lugar

Milton Costa




— Eu vou levar você pra ficar comigo.

— Toma, segura isso aqui pra mim, fofo – e largou o baldinho com os prendedores no colo dele.

— Cê ouviu o que eu falei? – insistiu.

— Falou o quê? – ela perguntou, com um prendedor entre os dentes enquanto pendurava outra minúscula calcinha vermelha no varal.

— Eu vou tirar você desse lugar.

— Ah, tá. Vamo, sim, um dia a gente até pode sair pra jantar.

— Cê não entendeu: eu quero tirar você daqui pra sempre, quero te levar pra casa, quero me casar, chega de puteiro.

— Quem é puta aqui? – e ele viu o caldo engrossar.

— Wã, não foi isso que eu quis dizer, meu anj

— “Meu anjo” o escambau! E “puta” são suas nega! Dá’qui essa merda! – e ela arrancou o baldinho com os prendedores das suas mãos.

Seguiu aquela bunda, que rebolava nervosa enquanto a agulha do salto marcava o chão sonoramente. Ele tinha razão: ela ficava ainda mais linda quando tava brava.

— Waneussa, olha pra mim, meu amor.

— Vaza.

— Waneussa... eu não paro de pensar em você!

— Rala o peito, ouviu não?

— Quando eu vim aqui pela primeira vez, eu não imaginava, eu só queria distrair...

— Tchau, Jan, sai fora.

— Aí, quando eu vim pela segunda vez, pô, não foi pra distrair. Tava me sentindo tão sozinho,... eu senti saudades de você.

— ...

— Vi que já não podia mais te esquecer, minha deusa.

— ...

— Eu te amo.

— ...

— Eu te am

Pensa num beijo bem quente, molhado.

Agora multiplica por dez. Rapaz,... que que foi aquilo?!

A porta do quarto ficou entreaberta, os pregadores do baldinho espalhados pelo chão, a roupa seca esparramada no sofá. E eles na cama. Depois no chuveiro. Depois na cama. Depois ela ponderou:

— E se não der certo, e se eu e você, sei lá, eu tenho o gênio forte...

— Eu também.

— E o meu passado? Fui mulher da vida, a gente se estranha e você joga isso na minha cara na primeira briga.

— Nunca, isso nunca.

— Olha – esticou o ó –, um dia cê pode se arrepender.

Ele acendeu um cigarro, tragou fundo, soprou filosoficamente a fumaça:

— Não pense em nada triste. Quando o amor existe, não existe tempo pra sofrer. Eu vou tirar você desse lugar e não interessa o que os outros vão pensar.

Então ela virou pro lado dele, sorriu um sorriso agradecido e furtou-lhe o cigarro das mãos:

— Ai, Jandson, cê fala umas coisa tão bonita... – tragou, baforou – Até rimou, cê viu? Chego a ficar besta.

— Sabia que eu só tirava 10 de Língua Portuguesa? Fazia uns poema lindo, minha professora falava.

— É? Nunca gostei de Língua Portuguesa.

— Ah, eu me lembro até hoje das aulas da dona Juraci, verso livre, soneto, AB BB BA...

— A única coisa que eu lembro da escola é o Marcão – e virou-se pra apagar o cigarro no cinzeiro.

— Marcão? Que Marcão?!

Cinco, quatro, três, dois, ...

— “Marcão”?! Eu disse “meu’rmão”.

— Ah, tá. Que que tem seu irmão?

— Era tão miudinho, mirradinho, tão piquitinho, coitadinho. Ai, ai,.. uma judiação.

— Esquece, amor. Esse passado não volta mais, eu juro. Ah, e pare de tomar a pílula..

 

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